- Havia terminado de tomar o meu chá matinal, feito com ervas
- que minha linda mulher recolhe todas as manhãs lá na floresta,
- bem próximo ás pedras que são muito conhecidas
- por suas lendas e superstições aqui no vilarejo, devido à
- sua aparência exótica e desconfortante. Nelas haviam uma espécie
- de símbolo, que preenchia a parte central da superfície
- das pedras, muitos diziam que este foi feito por uma
- bruxa terrível que vivia na floresta, uma bruxa que fora completamente
- controlada pelos seres obscuros que vagam naquelas
- terras.
- Após tomar o chá me senti um pouco estranho, um tanto
- atordoado talvez, e muito cansaço nas pernas. Senti também
- uma tontura, me senti distante, levantei-me daquela
- cadeira velha, apoiando meu corpo cuidadosamente com as
- mãos na mesa para me levantar, e então, segui em direção
- à minha porta, com intenção de abri-la.
- Lá fora minha esposa estava andando em círculos em volta
- da fonte central do vilarejo, jogando rosas e cantando uma
- música tradicional da nossa região, com um sorriso angelical
- e um brilho nos olhos. Corri imediatamente até ela, e
- ajoelhei-me, segurando suas mãos fortemente. Meu olhar
- fixo e que demonstravam muita seriedade, em seus olhos, a
- preocuparam profundamente, ela começara a perguntar incessantemente
- se havia acontecido alguma coisa, se eu estava
- bem, e eu de alguma forma não conseguia responderlhe
- as perguntas, pois me sentia fraco demais, como se a
- morte estivesse próxima e cada vez mais inconsciente.
- E então finalmente perco minha consciência. Meu corpo
- caiu sobre o chão composto de pedras e de repente, encontrei-
- me no meio da floresta, e lembro-me perfeitamente de
- ser uma floresta muito onírica, com cores desprovidas de
- vida, um fortíssimo cheiro de limo com musgo, me veio à
- cabeça naquele momento a imagem de um pântano. Corri
- novamente, mas desta vez para qualquer lado, de maneira
- completamente aleatória, com uma vaga esperança de conseguir
- voltar ao vilarejo, e infelizmente me deparei com algo
- que me intrigara fortemente.
- Um tronco de árvore, bem escuro, úmido, com superfície
- plana, e que carregava em seu topo uma espécie de pedestal
- pequeno, feito de ossos, que guardava um manuscrito.
- Manuscrito de papel aparentemente muito antigo, escrito
- com uma tinta tão forte que eu podia sentir seu estranho
- odor, e isso era muito estranho pois o manuscrito realmente
- aparentava possuir muitos anos de existência.
- A página não continha nenhum título, continha apenas palavras
- escritas de maneira que eu nunca havia visto, o texto
- continha um padrão de beleza que me fizera sentir um intenso
- e curioso prazer, e certamente, quando pensei em
- todo este conjunto de eventos, entrei num estado completamente
- absorto e também de uma duvida indizível, de uma
- completa solidão, que me atormentava terrivelmente.
- O ambiente era favorecia muito o meu desespero, haviam
- sons aleatórios provenientes de variados animais que pertenciam
- à floresta, ventos que pareciam ser soprados em
- meu corpo e isso me arrepiava muitas vezes, o estado
- mental era complexo demais naquele momento, é impossível
- para você imaginar perfeitamente.
- No antigo texto continha o seguinte:
- "Vossa presença neste local é digna de comemoração,
- À muito tempo um mortal não sente os proibidos prazeres
- de meu chá. Uma vez inspirei uma fraca e iludida senhora à
- fazê-lo, mas muitas vezes tive de possuir seu corpo para
- guiá-lo pela floresta, para colher assim a planta correta, já
- que sua visão não era boa.
- Eram tempos de grandes desventuras, era mais fácil satisfazer
- Os Grandes, Os Grandes eram portadores de todo o
- ódio e sentimentos mais terríveis que a humanidade insiste
- em perpetuar.
- Saiba que sua morte será de muito bom grado para a minha
- legião, aguarde pobre tolo"
- Acordei muito assustado, nos braços de minha mulher, sobre
- minha cama e ouvindo sua doce voz me dizer que estava
- tudo bem, que eu não tinha com o que me preocupar,
- que apenas me senti um pouco tonto por alguns instantes e
- que não havia acontecido nada. Havia me tranqüilizado naquele
- momento, afinal, não havia como não haver tranqüilidade
- com tamanha divindade cuidando de mim.
- Infelizmente, minha tranqüilidade fora interrompida quando
- eu avistara uma caneca de chá quente sobre a pequena
- mesa ao lado de minha cama. Perguntei neste momento
- para ela aonde ela conseguira as ervas para o preparo daquele
- chá, e ela me disse que as encontrou no mesmo lugar
- que encontrou aquelas que havia me dito, próximo às
- pedras na Floresta, e que eram uma delícia.
- Neste momento eu fiquei absurdamente apavorado e preocupado,
- pois agora sabia que ela havia tomado do chá, e
- temi fortemente que ela viesse a ter sonhos estranhos também.
- Já não bastava o meu tormento, ter que vê-la apavorada
- também seria insuportável, jamais!
- Alguém batera na porta, pois naquele momento ouvi um barulho
- muito alto, composto por uma batida que se seguia
- por mais duas. Minha esposa levantara da cama e me pedira
- para esperar, me chamando de amor, com aquele olhar
- encantador, me dando um beijo na testa, e se retirando do
- quarto para abrir a porta e atender a pessoa que lá se encontrava.
- Meus olhos se arregalam ao ouvir minha esposa me perguntando
- se eu conhecia a senhora que estava ali presente,
- pois obviamente, eu ficara sem resposta, tudo o que
- pude fazer naquele momento, foi ir até lá, olhar para ela, e
- assim livrar uma certa curiosidade que estava em mim.
- Revestida de trajes escuros e portadora de uma caixa de
- madeira, ela estendeu os seus braços e entregou-me a caixa,
- dizendo que ali continha um precioso presente, do qual
- minha esposa eu poderíamos compartilhar. Eu disse obrigado,
- cordialmente, e ela vagarosamente foi embora.
- Minha esposa me levou de volta para a cama puxando-me
- pela minha mão, e logo após me beijar, pediu-me para que
- eu abrisse a misteriosa caixa. Nós dois ficamos completamente
- indignados com o objeto que ali dentro estava, pois
- era uma pequena estatueta que se encontrava em cima de
- um livro, ambos eram muito bem trabalhados. A estatueta
- era de aparência indizível e perturbadora, mas de alguma
- forma, interessante e intrigante.
- O livro tinha um símbolo estranho na capa, e era uma capa
- dura. As folhas eram iguais a do manuscrito do meu sonho,
- da mesma textura, mesmo papel, mesmo cheiro esquisito
- da tinta, aquilo tudo estava sendo fantástico demais para
- mim. Após este momento olhei para o lado, e vi minha esposa
- com um olhar fixo sobre o livro, e com olhos assustadores,
- uma expressão aterradora.
- Perguntei a ela o que havia acontecido, perguntei com a
- mesma seriedade que minha esposa havia me perguntado
- quando me viu ajoelhado diante dela naquele outro dia, e
- ela me disse com uma voz trêmula, que o símbolo do livro,
- era o mesmo daquelas pedras próximas das plantas que
- ela havia colhido.
- Percebi então neste momento que meu sonho poderia ter
- sido real, ou ter sido alguma espécie de aviso ou comunicado
- importante. Meu temor possuía níveis altíssimos, assim
- como o dela, devido a ausência de compreensão de ambas
- as partes e a atormentadora atmosfera indescritível de tudo
- isso poderia ter sido causado por bruxaria.
- Minha esposa abaixou a cabeça, e permaneceu assim por
- algum tempo. Eu a segurei em seus ombros e a sacudi levemente
- para fazê-la levantar a cabeça e porque estava
- muitíssimo preocupado com ela e ela de repente, levantou
- sua cabeça, olhou para mim, e começou a me beijar freneticamente,
- a agarrar-me violentamente.
- Deitara o meu corpo na cama e rasgara minhas vestes, me
- beijando incessantemente, lambendo cada parte de meu
- corpo como se nunca tivesse feito isso antes, parecendo
- estar possuída com um desejo incontrolável de fazer sexo
- comigo.
- Após longas horas de insana tentação e prazer, caí no
- sono, e iniciou-se outro sonho, onde aquela senhora se fazia
- presente novamente, e com vestes ainda mais escuras,
- mas desta vez com um cajado, e diante de uma dança descontrolada
- de pessoas desconhecidas em volta de uma fogueira.
- No sonho eu estava junto a roda, dançando, e cantando
- numa língua que nunca havia falado e visto na minha vida,
- aparentemente eu estava hipnotizado.
- Acordei repentinamente no centro do vilarejo, próximo à
- fonte, deitado no chão, com todos os moradores me acusando
- de ter trazido a bruxa para o vilarejo, de ter trazido os
- males da floresta para o vilarejo, de ter trazido a condenação
- para todos, dentre muitas outras coisas desagradáveis.
- Sem saber como fui parar ali, levantei-me, e ignorando as
- acusações, entrei-me em minha casa, e fiquei abismado ao
- notar que minha esposa não estava em casa, e considerando
- os eventos anteriores, me enchi com uma intensa preocupação
- e saí rapidamente em rumo à floresta.
- O céu começou a encher-se de nuvens carregadas, a atmosfera
- em combinação com a floresta a gerara um clima
- demasiado macabro, do qual me inspirara a rezar com toda
- a minha fé, de maneira que nunca antes eu rezara, até ser
- interrompido por um cervo que parou em minha frente após
- saltar de um arbusto.
- O animal possuía olhos terrivelmente vermelhos e parecia
- realmente muito interessado em mim, de alguma forma,
- pois não os desviava para nenhum outro ponto, olhava apenas
- para meus olhos, e nada mais.
- Esta hipnose insana permaneceu até o cervo começar a
- correr para dentro da floresta, e eu, sem escolha, decidi fazer
- o mesmo, seguindo-o sem rumo, sem idéia de para
- onde ele estava me levando.
- Percebi que na mata haviam aspectos parecidíssimos com
- os dos sonhos, e vi o tronco do primeiro sonho passar ao
- meu lado esquerdo, também vi a mata que havia no segundo
- sonho, no horizonte de onde dançávamos.
- Avistei grandes galhos queimados e cinzas por todo o chão,
- lembrei-me da fogueira do sonho, e após ficar ali contemplando
- este cenário nostálgico, senti uma dor na cabeça, e
- tudo escureceu-se novamente.
- Vi sangue, sexo, soturnas formas, cenários mórbidos e oníricos,
- seres que me assustavam e me cercavam, senti o
- mais elevado medo que é possível um ser humano sentir. E
- de repente...
- Me vi deitado sobre a mesa, com o rosto enrugado e com
- um sentimento de preguiça, vi a luz do sol pela janela, iluminando
- a mesa, e escutei o trivial som dos pássaros cercando
- a minha casa como sempre, e a caneca de chá vazia em
- minha frente.
- Levantei-me da cadeira sem acreditar no sonho terrível que
- eu acabara de ter, e fui abraçar minha mulher, que se encontrara
- ao lado da fonte, para esquecer deste outro sonho
- terrível.
domingo, 28 de fevereiro de 2010
Conto - Chá do Abismo
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